sábado, 1 de dezembro de 2007


MEMÓRIAS DOS ANOS DE CHUMBO



O fantasma do comunismo assombrava toda a sociedade e em Belo Horizonte o cenário não era diferente. As instabilidades políticas alcançaram o cenário político mineiro. O Deputado Federal Ruy da Costa Val vivenciou todas as turbulências do período ditatorial no Brasil.
O Deputado deu início a sua carreira política em 1955 sendo eleito vereador em Belo Horizonte com o número de 1.011 votos. Durante o período mais conturbado da história política nacional, (1964-1968) o Deputado acompanhou de perto o poder da mão de ferro do regime militar. Durante sua carreira política, Ruy sempre pertenceu a partidos de direita e em 1964 ingressou na Arena, partido do regime militar. Ruy era um dos mais influentes políticos mineiros da época e era difícil separar a vida política da vida familiar. A postura de vigilância e repressão adotada pelo governo dos militares fez com que vários políticos opositores tivessem seus mandatos cassados. A presença de espiões militares era comum entre os guetos políticos da época. Eles vigiavam de perto e reprimiam com muita violência qualquer suspeita de ações consideradas “comunistas ou subversivas”. E devido à influência, os políticos eram um dos seus principais alvos. A presença de figuras emblemáticas era uma constante na casa do Deputado. “Foram feitas duas denuncias anônimas contra o Ruy que teve que se apresentar perante as autoridades militares para prestar esclarecimentos”.Nos contou dona Olga Maria Ferreira da Costa Val, viúva do Deputado. Com um semblante tranqüilo, dona Olga, como gosta de ser chamada, não parece ter acompanhado tão de perto tanta efervescência política. Mas sua expressão marcada pelo tempo, nos mostra como foi difícil viver sob constante vigilância. Mesmo sendo um político da direita, Ruy- assim como todos os políticos - teve todas as suas ações constantemente vigiadas. “As denúncias eram anônimas, qualquer um podia fazer.As denúncias que o Ruy sofreu foram feitas por inimigos políticos” nos revela dona Olga.
Por ser um político de muita influência - Ruy chegou a presidir a câmara dos vereadores de Belo Horizonte - além de conquistar aliados, o Deputado também conquistou alguns adversários políticos e foi vítima de espionagem. Vivendo em um clima de muita tensão, toda a família convivia diariamente com importantes personagens que freqüentavam a casa do Deputado. Altas patentes do Exército e da Polícia Militar eram vistas com freqüência nas imediações da casa da família que morava em uma área nobre da capital mineira. A casa ficava no bairro de Lourdes na rua São Paulo. A região era repleta de casas de políticos como e ex-governador Hélio Garcia que era vizinho da Deputado.

Ruy era um político nato. Um homem muito bem relacionado. De personalidade forte e com ideais democráticos maiores que as imposições do regime ditatorial. Foi usando de toda a sua influência que o Deputado conseguiu ter acesso a uma lista contendo o nome de alguns vereadores que teriam o seu mandato cassado. Dois nomes da lista eram, além de aliados políticos, amigos pessoais de Ruy que consegui avisá-los e evitar a cassação de seus mandatos. Em meio a tanta intriga política, uma figura amistosa freqüentava a casa da família Costa Val. Era um norte americano de nome Albert Laiser. Um homem elegante que, apesar de amistoso, apresentava também um ar de muito mistério. Laiser freqüentava a alta sociedade belo-horizontina e conhecia muito bem todos os políticos da época. Era uma relação de amizade, mas sempre defendendo interesses políticos. Laiser era cônsul dos Estados Unidos da América em Belo Horizonte e todos os políticos mantinham um bom relacionamento com ele. Por ser norte-americano e ter contato com todo o cenário político mineiro, Laiser era sempre muito bem tratado por todos. "Recebíamos visitas esporádicas e misteriosas desse Laiser que todas as vezes que no visitava trazia uma maleta preta e a deixava comigo enquanto conversava com Ruy. Suspeitávamos de que ele era um agente da C I A“ confidenciou dona Olga. Laiser era um homem observador e detalhista e se aproximou da família do Deputado.” Devido a carreira política do Ruy tínhamos de recebê-lo muito bem pois não sabíamos se ele era apenas o Cônsul norte americano ou se era um espião à serviço da C I A.“ contou a viúva.

Toda a população apoiou o golpe em 1964 que contou com o apoio de importantes orgãos da sociedade brasileira como a imprensa e a Igreja. Em 13 de Dezembro de1968 com a promulgação do Ato Institucional número 5, o regime começou a perder o apoio da população que já começava a procurar formas de expressar oposição.Os movimentos estudantis começaram a ganhar força e eram violentamente reprimidos pelo regime. "Uma integrante do movimento estudantil, chegou a se hospedar em nossa casa. Ela era amiga de uma das minhas filhas e veio fugida de São Paulo. Tínhamos muito medo de que sua presença prejudicasse a carreira de Ruy. Era uma menina solitária que não tinha consciência do perigo que corria se associando ao movimento estudantil". A estudante permaneceu na casa da família por aproximadamente uma semana e meia e nunca mais foi vista. O Deputado conseguiu uma cadeira no Congresso Nacional messes antes da promulgação do AI-5. Ruy foi Deputado Federal durante poucos messes, pois um dos decretos constantes no Ato Institucional foi o fechamento do Congresso Nacional. "Na época o Ruy trabalhava na prefeitura e abdicou do cargo para poder se tornar um Deputado Federal mas com o fechamento do Congresso ficou mais de um ano sem receber os seus honorários de Deputado e não pode voltar ao cargo que exercia na prefeitura. Nossa família passou por um período muito difícil e foi graças ao apoio de muitos amigos que não passamos fome.” Confidenciou a viúva.

Hoje dona Olga vive em um apartamento que lhe foi dado por Ruy antes de falecer em 1991. Dona Olga acredita que nunca devemos esquecer desse triste período da história brasileira, pois é no passado que encontramos exemplos daquilo que deve ou não ser feito.

“Os erros cometidos pela sociedade apoiando os militares não podem se repetir e é por isso que eles devem sempre ser lembrados”.

Após o AI 5 o Brasil viveu o período de maior repressão que ficou conhecido como os anos de chumbo (1968-1974). A ditadura durou até o ano de 1985 quando o movimento das Diretas Já conseguiu mobilizar toda a sociedade civil exigindo eleições diretas para presidente da república através da aprovação, pelo Congresso Nacional, da Emenda Constitucional Dante de Oliveira. Foi somente após o movimento das Diretas Já que os cidadãos voltaram a conquistar seus direitos políticos e puderam se expressar livremente. Esperançosa, dona Olga acredita que o homem é capaz de construir um mundo melhor onde exista o respeito a todas as diferenças sejam elas sociais, religiosas ou políticas.(VR)